Agencia Dos Passos

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A LiNGUAGEM É A MÚSICA DAS PALAVRAS

Entrevista realizada por Ivanui Cardoso y publicada originalmente por Contec Brasil el 15 de febrero de 2017. La primera publicada en este país.

Primeiro vem a natureza com a terra, o ar, a água. Os personagens aparecem depois para contar sua história, inicialmente com timidez. Aos poucos, eles se libertam e vão marcando seu tempo e ocupando novos espaços nas palavras e na imaginação do escritor. Assim é o processo criativo do poeta e romancista espanhol Ernesto Pérez Zúñiga, formado em Filologia Espanhola pela Universidade de Granada, cidade onde cresceu e realizou seus estudos desde a infância. Em seu último livro, No cantaremos en tierra de extraños, ele conta a história de um espanhol exilado na França que volta à sua terra pelo amor da mulher de sua vida. Não é apenas uma história de amor, mas um conjunto de aventuras envolvendo também amizade, lealdade e a Guerra Civil. Ele já publicou romances, poemas, ensaios, artigos e críticas, e entre seus livros estão Santo Diablo (Kailas), de 2004, El segundo círculo (Algaida) em 2007, que venceu o XVI Prêmio Internacional de Novela Luis Berenguer, e  La fuga del maestro Tartini (Alianza Editorial) de 2013, com que ganhou a XXIV edição do prêmio Torrente Ballester. Para Ernesto, a força de um livro vem de uma voz autêntica, interior, profunda: “É como se o livro pedisse para ser escrito, uma e outra vez, até que por fim ele se ergue e encontra seu caminho”, explica.
Para saber mais sobre ele:
www.ernestoperezzuniga.com

Confira a íntegra da entrevista:

Quando nasceu o escritor? 
O escritor nasceu quando ainda era criança, quase na puberdade, quando eu saía para passear no campo, para ver pássaros ou o pôr do sol. Eu me sentava em uma rocha e escrevia meus pensamentos e emoções. Ou cartas a alguma namorada, ou os primeiros poemas. O escritor nasceu da contemplação e da necessidade de conectar-me com a natureza e comigo mesmo. Como uma maneira de autoconhecimento de de conhecimento do mundo. Foi uma longa etapa de aprendizagem.

Quando começou a publicar?
Meu primeiro livro de poemas eu publiquei aos 20 anos. Durante uma longa fase eu me senti somente poeta, quer dizer, alguém que buscava o outro lado das coisas e colocava no papel. Então eu vivia em Granada. Com 25 anos mudei para Madri. Alguma coisa se transformou aí. Quase morri em um acidente e despertei sabendo que não queria fazer outra coisa no mundo além de escrever. Comecei a escrever narrativas, a encontrar minha própria voz. Foi como se uma torneira se abrisse. Que, por sorte, continua aberta.

Escrever para você é uma necessidade? 
Muitas vezes me dou conta de que só consigo entender o mundo escrevendo. Escrever para mim é uma forma de viver, de entender a vida. É uma necessidade física. Escrevo diariamente durante as manhãs. Se não consigo fazê-lo por qualquer motivo me sinto muito incomodado, como se não tivesse tomado o café da manhã e estivesse com muita fome. Quando não escrevo é como se estivesse incompleto. A escrita é o lugar onde eu concretizo o conhecimento e onde imagino que o conheço. E ele se faz real.

De onde vem sua inspiração? Como é o seu processo criativo?
A melhor inspiração vem da conexão com o externo: a natureza, o universo, as pessoas. É um fluido que entra e sai através da escrita. Há outro caminho interior: a inspiração que vem do inconsciente do indivíduo, o que Jung chamava de inconsciente coletivo. O ser humano gera continuamente ideias, emoções e histórias que continuamente flutuam ao nosso redor. É preciso prestar atenção em tudo isso.

O que é a literatura para você?
Para mim a literatura é o lugar perfeito para expressar a realidade: o que ser observa, o que se pensa, o que se sente, o que se imagina, o que se intui. A mente se converte em palavras como uma determinada música. A linguagem é a música. E cada romance, cada universo construído tem imagens e músicas próprias. Procuro ser muito fiel a tudo isso ao transportar para o papel.

O que motivou a sua última obra que tem um tema muito atual? 
No cantaremos en tienta de extraños é o canto dos exilados, aqueles que perderam tudo (família, a terra) mas tratam de seguir buscando dar sentido à sua vida, mesmo em meio às ruínas. E conseguem graças à força da amizade, da lealdade e de acreditar em valores tão importantes como a liberdade, a solidariedade e a capacidade de decidir o próprio destino. É um romance contra o totalitarismo de qualquer época, também o totalitarismo que agora mesmo tenta regressar em todo o mundo. O totalitarismo tem muitas máscaras, mas sempre quer o mesmo: dominar os demais. Este romance é uma aventura de liberdade e entrega no meio das piores condições.

Quanto tempo levou para escrever? 
Em todos os romances que escrevo primeiro as ideias vão se acumulando em minha cabeça durante vários anos, até que decido escrever. No mínimo dois anos de pensamento e outros dois de escrita. Há um personagem que vem do meu primeiro romance, Santo Diablo, e outro que é foi feito descendente de um personagem do Valle Inclán. Há muitos personagens que vêm da história real do Hospital Varsovia, de Toulouse, pessoas que deram tudo para ajudar aos demais. Também foram inspirados em Nueve, a companhia espanhola que libertou Paris dos nazistas, e que logo foi discriminada pela história. É uma mistura de documentário e imaginação, mas essa tem muito mais peso. Necessito ver os personagens com vozes reais, como pessoas reais.

Você também escreve poesia, o que é para você o poema?
Para mim, a poesia é uma maneira de trazer à palavra o que, todavia, não se sabe que existe. É como pescar em um banco de palavras aparentemente vazio que antes eram invisíveis e que nunca haviam aparecido de uma determinada maneira. Isso se pode fazer em um poema (a expressão de um pensamento ou de uma emoção) ou em um romance (a expressão de um universo narrativo).

O próprio sentir resgata emoções. Você sente que isso é mais forte no poema ou no romance?
No poema se produz uma concentração; no romance um desenvolvimento. No entanto, o romance pode ter momentos de grande intensidade. Em geral, prefiro o romance porque nele cabe tudo, inclusive a poesia.

Conhece literatura brasileira? 
Um dos meus autores preferidos é Guimarães Rosa. Quando li “Grande sertão: veredas”, com 26 anos, se abriu diante de mim um mundo narrativo e também uma maneira de trabalhar a música e a linguagem. “Mi tío el Jaguarete” e “ La tercera orilla del río”, ambos de Guimarães, são minhas histórias favoritas. Infelizmente ainda não conheço o Brasil. Espero conhecer logo. E, claro, o país entraria em meus livros através da vida.

Está escrevendo um novo livro? Poderia falar sobre ele?
Estou escrevendo um romance sobre a infância e a adolescência, as aprendizagens, as iniciações, a maneira em que nos perdemos no mundo conforme crescemos. E como vamos nos relacionando com os outros.

Como está a literatura no seu país? 
Está muito viva, com bons escritores de todas as gerações. Posso citar Luis Mateo Díez, Longares ou Marsé, entre os melhores. Um poucvo mais jovens Ignacio Vidal Folch, Juan Malpartida, Andrés Ibáñez, Blaca Riestra Marina Perezagua e Manuel Vilas. Também autores hispano-americanos que hoje vivem na Espanha e que já sãp companheiros de geração, como Juan Carlos Méndez Guédez ou  Jorge Benavides.

Quem influenciou sua escrita?
La música clássica, o jazz, Lorca, Vallejo, London, Stevenson, Borges, Onetti, Rulfo, Guimarães, Cervantes e Homero. E, entre todos, Valle Inclán {romancista, poeta, ator e dramaturgo espanhol}, meu pai literário.

O que tem mais força para um escritor: a realidade ou a ficção?
Para mim é tudo a mesma coisa. Tento ser consciente de que o olhar humano sobre o universo é uma convenção que corresponde com nossa capacidade limitada de entender o mundo. Se eu fosse um extraterreste, logicamente minha concepção da realidade seria outra. Da mesma forma, se eu fosse uma formiga que escrevesse romances. A realidade é uma destilação de nossa experiência e se parece, desde o princípio, com a ficção.

Quantos prêmios já ganhou?
O melhor prêmio é ter um bom editor, que acredita em seu trabalho. Estou muito contente com minha editora atual, a Galaxia Gutenberg, pela enorme aposta que faz pela literatura como principal critério para editar